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Demarcação
Promessas e acordos políticos teriam levado maioria dos caingangues a ocupar Vicente Dutra
Antropólogo Edward Mantoanelli apresenta conclusões sobre o relatório elaborado pela Funai e que foi usado como argumento para demarcação de terras
Por: Márcia Sarmento
Publicado em: sexta, 08 de dezembro de 2023 às 11:54h
Atualizado em: sexta, 08 de dezembro de 2023 às 11:58h

Na quinta e última matéria sobre a pesquisa do antropólogo Edward Edward Mantoanelli Luz, na alegada Terra Indígena Rio dos Índios, em Vicente Dutra, nesta edição serão abordadas as conclusões do pesquisador em relação ao Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID), produzido pela Funai.

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De acordo com Mantoanelli, não se encontrou legitimidade na reivindicação territorial caingangue em Vicente Dutra, pois “não ficou comprovado qualquer vínculo histórico de ocupação tradicional nem de habitação permanente da presença caingangue na área reivindicada, nem antes e nem após a Constituição Federal de 1988. Ou seja, inexiste qualquer comprovação da existência de indígenas na área em questão, nem depois do advento da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, nem mesmo provas da tradicionalidade na localidade onde só depois de 1990 passou a ser ocupada por indígenas”, afirma.

Ainda, em seu relatório, o antropólogo ressalta que o RCID da Funai não apresenta quaisquer evidências documentais que possam comprovar o caráter tradicional da ocupação. “Ao invés disto há documentação histórica que demostra positivamente a inexistência de antigas aldeias ou aldeamentos tradicionais em Vicente Dutra, como é o caso da bibliografia baseada em diligências in loco e em pesquisas de servidores do Serviço de Proteção ao Índio e Localização de Trabalhadores Nacionais por todo o norte do Rio Grande do Sul em documentos históricos como relatórios do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), documentos e mapas), a inexistência de antigas aldeias em Vicente Dutra.

O antropólogo acrescenta ainda que os relatos orais coletados pela Funai são questionáveis, pois foi ouvida apenas parte da comunidade indígena, sendo excluídos os que conhecem a verdadeira história na região. “A população branca não foi ouvida, o que denota a parcialidade do RCDI elaborado pela Funai. Os registros jornalísticos analisados dão conta e comprovam estadia reduzida, temporária e sazonal nas imediações do empreendimento e do balneário municipal, locais onde os indígenas comercializavam seu artesanato. Os depoimentos de tradicionais e antigos moradores do município, assim como documentos e bibliografia especializada confirmam que foi somente no fim da década de 1950 que Vicente Dutra passou a despontar como uma alternativa econômica. E por essa razão passa a ser um ponto de venda de artesanato caingangue, durante os meses de verão, quando a cidade era inundada por turistas. Até o início da década de 1990, a diminuta, temporária e sazonal população indígena, constituída basicamente por uma família, foi transferida do prédio que habitava, localizado na zona urbana de Vicente Dutra e destinado, inicialmente, para ser uma escola municipal, para a área que hoje ocupam”, afirma.

Em sua pesquisa, Mantoanelli afirma que Rosinha Jacinto foi a primeira moradora indígena a mudar-se definitivamente para Vicente Dutra. Além disso, Rosinha Jacinto teria vindo de Iraí, grávida, por volta de 1959, e não nasceu em Vicente Dutra. “Sua presença no município não era ligada à atividade tradicional, nem possuía habitação em caráter permanente. Todos os demais indígenas transitavam na cidade, tinham paragens improvisadas, instáveis, ou providenciadas pelas autoridades públicas municipais. Durante três décadas, Rosa e seu filho, Floriano Jacinto, foram os únicos indivíduos indígenas com moradia definitiva estabelecida em Vicente Dutra desde o fim de 1959 e início de 1960. Não se trata de uma aldeia tradicional, pois não há sequer contingente indígena para isto, diante da ausência de figura paterna, o que é primordial para essa cultura patrilienar”, garante.

Para concluir, o antropólogo diz que, apesar dos esforços destes indígenas em criar artificialmente uma aldeia, a presença caingangue permaneceu diminuta e insignificante, restrita a poucos núcleos familiares até o fim do século 20. “Foi somente com a notícia da aprovação e mais precisamente com a vinda do Grupo de Trabalho de Identificação e Delimitação da Funai no início do século 21 que o grupo caingangue, sem a autorização da prefeitura, nem qualquer tipo de controle da Funai, aumentou consideravelmente de promessas e acordos políticos com outros caingangues para invadir e tomar a área em Vicente Dutra”, finaliza.
 

Fonte: Jornal O Alto Uruguai
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