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Justiça Federal
Quatro pessoas são condenadas por preconceito racial contra indígenas
A ação foi movida após comentários preconceituosos referentes a bloqueios realizados na BR-386, em Iraí, no mês de maio de 2017
Por: Vinícius Chequim
Publicado em: terça, 28 de março de 2023 às 10:12h
Atualizado em: terça, 28 de março de 2023 às 12:15h

A 3ª Vara Federal de Passo Fundo condenou quatro homens por preconceito racial contra indígenas. A sentença foi publicada no dia 23 deste mês, pelo juiz Rodrigo Becker Pinto. 

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Ao analisar o caso, o juiz federal Rodrigo Becker Pinto entendeu que os homens praticaram preconceito racial, como também induziram e incitaram a disseminação destes ideais racistas, funcionando sua propagação para provocar que outras pessoas passem a pensar de igual forma. “Esclareço, por fim, que a situação em comento não se enquadra como injúria racial (art. 140, §3º, do CP), haja vista que esta última diz com ato direcionado a determinada pessoa, enquanto que o racismo constitui aversão manifestada em face de um grupo ou coletividade, que é a hipótese dos autos”.

Comprovados a materialidade, a autoria e o dolo, Becker julgou procedente a ação condenando os quatro réus a pena de dois anos de reclusão e multa. A pena restritiva de liberdade foi substituída por prestação de serviços à comunidade por uma hora para cada dia de condenação e prestação pecuniária de três salários mínimos. Cabe recurso da decisão ao TRF4.

Denúncia
O Ministério Público Federal (MPF) narrou que, em maio de 2017, ocorreram bloqueios na BR-386, no município de Iraí, organizado por indígenas da etnia kaingang, moradores da reserva Rio dos Índios, Rio da Várzea, Iraí e Goj Vêso. Um jornal do município gaúcho de Frederico Westphalen publicou uma notícia sobre os atos de protestos dos indígenas em sua página no Facebook.

Segundo o autor, os quatro denunciados, por meio de suas contas pessoais na rede social, publicaram comentários na notícia que incitaram a discriminação e preconceito contra o povo indígena Kaingang. O MPF alegou que as mensagens caracterizam preconceito e discriminação contra os povos indígenas, inferiorizando-os tão somente pela condição etnocêntrica, de que por serem indígenas são pessoas vagabundas, inaptas para o trabalho ou sem capacidade para prover a própria subsistência, características não identificáveis em não indígenas.

Alegações das defesas
Um dos homens sustentou que o bloqueio da rodovia impossibilitou seu deslocamento para Santa Catarina para buscar peça de reposição para o carro de seu pai, pessoa idosa e doente. Isso o deixou nervoso, o que motivou os comentários. Alegou ainda que apenas expôs fatos reais, já que são de domínio público os crimes praticados por indígenas, sendo veiculados na imprensa.

Outro réu aduziu o necessário exame do seu caráter para que se compreenda que a publicação feita por ele foi só uma crítica ao bloqueio na BR-386 e não ao movimento indígena.

O terceiro denunciado afirmou que seu pai foi afetado negativamente pela interrupção do fluxo da rodovia, ressaltando que é de conhecimento público a realização de bloqueios pelos indígenas. Sustentou que só expôs seu pensamento sobre aquele tipo de ato, algo que estaria assegurado pela liberdade de manifestação, prevista na Constituição Federal.

O último homem defendeu que as publicações não teriam sido direcionadas às etnias, mas a atuação do governo. Destacou que, na data do ocorrido, dirigia para o município de Iraí, ocasião em que fez os comentários infelizes, decorrentes de seu descontentamento com o trancamento da rodovia.

Preconceito racial
Becker sublinhou que a liberdade de manifestação do pensamento pode sofrer atenuações, desde que decorrente de lei, para assegurar o respeito a direito e reputação das demais pessoas, a proteção da segurança nacional e a garantia da sociedade democrática. “Significa dizer que há fundamento para delimitação da liberdade de expressão, cujo exercício passa a ser vedado a partir do momento em que fere direitos diversos (essencialmente o da igualdade), gerando consequências nefastas, alusivas à perpetuação das práticas segregacionistas, cuja realização, em análise última, vem de encontro ao princípio da dignidade da pessoa humana, que está assentado na Constituição Federal”.

Dessa forma, de acordo com o magistrado, praticar, induzir ou incitar preconceito ou discriminação, por qualquer forma ou meio, não se inclui no conteúdo da liberdade de expressão e não se pode se invocar como exercício de um direito que exclui a ilicitude penal. Analisando o caso concreto com base nessa fundamentação, ele destacou que as defesas dos réus têm o ponto comum de negar o propósito discriminatório, vinculando as publicações ao descontentamento com o bloqueio da rodovia.

– Entretanto, não é preciso muito esforço interpretativo para se compreender que a fala dos acusados estava impregnada de um sentimento de superioridade racial em relação aos indígenas, coletivamente considerados, com tom manifestamente depreciativo e ofensivo à dignidade da pessoa humana, claramente desbordante de um mero descontentamento referente ao episódio que estava sendo noticiado – afirmou.

Segundo Becker, os homens, em suas publicações, sempre se referiam aos indígenas de forma geral, e não àqueles que organizaram o bloqueio da rodovia. Ele destacou um trecho de um dos comentários que dizia que eles cometiam crime contra a população, mas não respondiam na justiça do ‘homem branco’ para ressaltar que se referiam à raça indígena como um todo, “assim como de que a mesma não estaria em condição de igualdade com o restante da sociedade para responder sobre os seus atos, o que é uma completa inverdade porque os indígenas são submetidos à Justiça Comum no caso de cometimento de crimes, assim como o ora acusado”.

O juiz concluiu que os comentários postados pelos réus não podem ser considerados legítima expressão de pensamento, pois havia, “apenas, ofensa, repúdio e desprezo à própria condição humana da raça indígena, em claro desrespeito à dignidade que a todos é resguardada”. Os dizeres estavam “impregnados de sentimento de superioridade da raça a que pertencem, em detrimento da indígena”.

Para reforçar seu entendimento, Becker pontuou que os réus não fizeram nenhum comentário sobre a greve dos caminhoneiros, em 2018, que teve consequências mais expressivas para o país, pois gerou interrupção de abastecimento de inúmeros produtos por considerável tempo. “Como não o fizeram, é razoável deduzir o descabimento das alegações de que o pano de fundo das publicações tratadas neste feito teria sido o bloqueio das estradas por ter impedido o normal ir e vir”.
 

Fonte: Jornal O Alto Uruguai, com informações da Secos/JFRS
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